o que vejo e sinto

março 11, 2008

Memórias que não Bailaram

Foto Elenco Original Bailei na Curva, 1983 ( Fonte http://www.dispositovocenico.blogspot.com/ )

Depois que o tempo passa, como agora, podem ficar registros mentais que também se vão, de tudo que vivemos de maneira mais ou menos intensa. E externo a nós, podem também ficar uma outra memória como os registros gráficos ( escritas, fotografias etc... ). e como diz a poesia, " de tudo fica um pouco... " O tempo é implacável sim, mas para quem não tem memória. Há dor maior que desejar lembrar quem somos e não conseguir ?
Com a memória eternizamos conteúdos e vivências; que de quando em quando podemos fazer ressurgir, reviver e porque não viver pelo menos em nosso imaginário, assim como partilhar com os outro estas experiências que habitam apenas em nossos recantos perdidos. Este compartilhar a memória, é o que Júlio Conte * comunga conosco em seu diário (http://www.dispositovocenico.blogspot.com/ ). Dispositivo Cênico. Um nome que não poderia ser mais adequado para instigar a resurgência da memória. E também a publicação e informação desta memória. O cênico, de todos os fatos políticos e humanos daqueles iniciados anos 80. Nestes registros, Júlio Conte, é norteado ou justificado com a concepção da cult " Bailei na Curva". Que se firmou como ícone de nosso teatro, como expressão artística , estética e questionamentos humanos e políticos em todos os sentidos. O diário, que não bailou, ( uma agenda que o Júlio usava para registros de acontecimentos , pessoais, acadêmicos e profissional da arte) nos remete não apenas ao nascimentos do espetáculo, mas sim a tudo que norteava a vida, também privada de Júlio, assim, como o momento privado e público de nosso Brasil.
Esta memória não é apenas de Júlio Conte. É a nossa memória. É a memória de pessoas que viveram naquele tempo, e também em outro espaço cênico. Júlio, através de seus registros , nos faz sentir e reviver momentos marcantes de uma época sofrida, pobre , emburrecida, engessada estupidamente ainda pela censura federal. Mas também se percebe tudo que fervilhava nas mentes mais abertas e sensíveis da época. Um cheiro sutil e escancarado de transgressão e micro revoluções de expressões e percepções da vida e do existir em um contexto que exigia intervenções democráticas.
As anotações de Júlio, tem uma poesia , uma marcação, um enquadramento, tem pinceladas ,cor, luz, escuridão, um ritmo, uma denuncia, e acima de tudo, o registro de que: se pode roubar, usurpar, abusar tirar quase tudo de um homem, mas sua memória lhe pertence, e basta que repasse ao outro para dar continuidade sentido na existência . Somos memória, Somos registros absolutos de invenções nossas e dos outros. E a arte por sua vez, cumpre um papel de extrema importância que é eternizar as manifestações, desejos , imaginário, intimidade, dores e prazeres; ou talvez apenas as verdades de um povo.
Fico, imensamente feliz por ser contemporâneo de Júlio, por ter acesso a sua sensibilidade, inquietudes , criações, pela pessoa grandiosa e generosa; pelo artista e principalmente pelo profundo conhecimento da alma humana. Estas memórias de Júlio não poderiam mesmo bailar. Ganhamos todos com este dispositivo cenico. Júlio se mostra como um facilitador para sentir a memória, pois memória sem sentir é como casa sem portas, anjo com uma asa só ou internet sem conexão.

*Júlio Conte é psicanalista, diretor de teatro, ator, escritor e dramaturgo. Autor de Bailei na Curva, Se Meu Ponto G Falasse, O Rei da Escória e outros.


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